Interiorano por Ricardo P. Duarte - Foto: Tadeu Vilani


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A vida, para ele, tem um prumo e tem um nível.
Horizonte e sol do meio-dia.
A vida tem o movimento do trote e do galope.
No trote, o golpe do tombo não é tão violento.


Na atmosfera, tão espessamente limpa, rio turbilhonante de silêncio, o zunir das abelhas só se quebra com o ranger do serigote, quando, nos dias claros, o cheiro da graxa se mistura no ar puro e fresco ao do xergão de lã. Áspero, o trançado de rédeas e de laço entrevera-se com a lã dos pelegos, com o pelo suave do pescoço do cavalo, a crina grossa espetando os dedos que enrolam cigarros palheiros; a fumaça azul do fumo amarelando a barba e o gosto da saliva assustando, na cuspida, o redomão.

Aonde o sol se põe e donde a lua se levanta, se estreita o universo. A cancha de carreiras, no bolicho; a estância, terminando no fundo do campo, com arroio e mato; o compadre, lindeiro; o corredor e a cacimba, longe, suas referências. Mais pra lá, no azulado do silêncio, uma tapera muito antiga. Tão antiga, que ninguém mais sabe quem lá viveu um dia.

O corredor, leva para não sabe onde e, às vezes, passa gente que quase não enxerga, numa pressa incompreensível. Cometas, com longos rabos de poeira levantada; estrelas cadentes num céu de primavera em noites sem nuvens e sem lua.

Sabe, de cor, os seres do seu mundo. Não só das reses, mas até dos outros bichos, que se escondem em sua passagem entre grotas e peraus.

Às vezes, cruzam o seu mundo veículos estranhos, com estranhas gentes, em incursões que em nada o afetam. Entram pelo lado da cacimba, dispersam os rebanhos do caminho e saem pelo lado onde se vai para o bolicho e a cancha de carreiras. Deixam a curiosidade nos piafares dos baguais farejando o ar junto às porteiras e criam cabriolas de retoços no ronco de alienígena. Alguns, às vezes, chegam até às casas. São iguais em estatura e gestos, só mais diferentes nas cores do vestir. Bebem água, como ele; comem carne; até mesmo tomam mate, quando a pressa não é tanta. Mas falam coisas que não têm sentido: Nomes de lugares insuspeitos, duma geografia alheia, que a língua se nega a pronunciar.

Nomes em quadros de aviso de colégio, presos em alfinetes; convites para festas que quem não vá não sabe onde é que foi. Nomes soltos no ar, sem sustentáculo, folhetos distribuídos em quermesses, maiores do que os bolsos, nas mãos, sem ter onde guardar.
Ele os deixa pregados nas estrelas quando encerra o dia; quando as cinzas cobrem os tições, nas brasas do fogão.


Sabe, de cor, os seres do seu mundo. Não só das reses, mas até dos outros bichos, que se escondem em sua passagem entre grotas e peraus. Só não sabe esse mistério que vem com as andorinhas cada primavera e some com o outono.