Meu pai, Bernardo Bueno Simas (05-05-1895) (15-03-1983), nascido em Rivera Chica, filho de Vicente Anastácio Simas e Arminda Bueno Simas, uruguaios, quando se sentiu taludo o suficiente para enfrentar o mundo, fugiu da família e veio para o Brasil. Perambulou por várias cidades da fronteira e tentou muitas formas de subsistência. Trabalhou em cassinos e casas noturnas adquirindo experiências no ramo. Depois de algum tempo, estabeleceu- se em Cacequi, maior centro ferroviário do estado do Rio Grande do Sul, na época. Por onde passariam as ferrovias que ligariam o Brasil com a Argentina, através de Uruguaiana e com o Uruguai por Santana do Livramento. A estação da Viação Férrea era enorme, na plataforma existiam lojas, escritórios e até um restaurante. Recebia trens de carga e passageiros que vinham de Santa Maria, Uruguaiana, Bagé e Santana do Livramento. Os trens de passageiros chegavam antes do meio-dia e tinham um tempo disponível para o almoço, cerca de uma hora. O primeiro a chegar vinha de Porto Alegre, via Santa Maria. O último era o de Uruguaiana, fronteira com a Argentina. A plataforma era o “point”, fervilhava de gente, parecia um formigueiro. Pessoas vindas de lugares distantes se encontravam, novas amizades surgiam, dizem até que alguns casamentos tiveram seu início na plataforma da estação. Um alto-falante fazia propagandas e tocava músicas de sucesso. O ambiente era estimulante. Alguns vendedores ambulantes percorriam a plataforma oferecendo suas quinquilharias. Vendiam-se também pastéis, doces, bolos e galinha assada. Muitas histórias surgiam. Comentava-se que o restaurante local servia sopa bem quente, como entrada. Assim os frequentadores se atrasavam e não comiam o prato principal, gerando economia para o estabelecimento. Também havia um falso médico que receitara “lima” para um corcunda que na outra volta encontrou o sujeito e se queixou: -Há meses que tomo lima como suco, chá e infusão e a minha corcunda não diminui nada. Ao que o malandro respondeu: -Não era lima fruta, era lima de ferro para passar no lombo. Entre a estação e a cidade havia um túnel que se iniciava na plataforma, passava por baixo da rua e saia no outro lado. Embora o trânsito não fosse lá tão intenso, todos preferiam o amplo e largo túnel para fazer a travessia. Em Cacequi todo mundo vivia em função da ferrovia: ou eram ferroviários ou abasteciam os empregados. As oficinas de manutenção dos trens e a construção da ponte para a transposição do rio Santa Maria, absorviam muita mão de obra e não faltava emprego. Nesse ambiente, meu pai estabeleceu uma casa noturna, um cabaré, denominado: “Ponto Chique” para atender uma clientela com dinheiro e ávida por novidades vindas dos grandes centros urbanos como Porto Alegre, Buenos Aires e Montevidéu. O estabelecimento, construído em 1929, ficou conhecido como “o casarão”, possuía um amplo salão de baile, muitos quartos, mulheres bonitas vindas das capitais, música ao vivo, apresentações artísticas, carteado, especialmente Bacará e Pôquer. Enfim uma “Las Vegas” dos pampas onde meu pai reinava como macho alfa. Tinha uma parceira que o acompanhava e ajudava, Almerinda Moreira (06-03-1910), com a qual teve vários filhos. Ganhou e perdeu muito dinheiro até que um dia, cansado da lida, apostou tudo contra um fazendeiro da região. Ganhou. Negociou com o perdedor, largou tudo. Casou com outra mulher, e foi morar de agregado na estância dos Rossi, onde ajudava na lida do campo e dispunha de terra para plantar, uma casa para morar e alguma criação. Montou uma cantina, armazém de campanha, para abastecer as lavouras de arroz da região, especialmente dos Mozaquatros e do Coraldino, que eram as maiores. Gostou tanto da nova vida, que deixou de frequentar a noite e de jogar. Casado com uma moça de uma estância próxima, eu sou o filho mais velho dessa nova união. Essa moça se chamava Paulina Cavalcante Rodrigues, filha de Alfredo Rodrigues e Cyrila Cavalcante Rodrigues. Tinha como irmãos Mozarte, Armando, Alzira, Bertulina, Dilha, Jacy, Jacyra, Júlia, Manoela, Mimosa, Mindoca, Morena e Vininha. Meu pai mantinha um bom relacionamento com a primeira mulher, que vivia numa chácara de propriedade dele, onde parava quando ia para a cidade. Os filhos da primeira mulher, três rapazes e duas moças, Judith, Osmar, Olmiro, Oraide e Romeu, visitavam minha mãe, lá fora. E nós, filhos da segunda, Vicente, Alfredo e Maria Cirila, parávamos na casa da primeira quando íamos para o povo. Com o tempo, até mesmo a minha mãe visitava a anterior, numa convivência pacífica, supervisionada e controlada pelo meu pai. Ele morou por dezoito anos, de agregado, no campo dos Rossi. Ali foi minha infância.
Vicente Simas
Sobre o autor
Natural de Rosário do Sul, após completar o curso primário, foi estudar na Escola Técnica de Agricultura (ETA) de Viamão. Prestou exame vestibular em 1954, para o Curso de Iniciação Agrícola. As notas não foram boas, mas obteve nota dez na prova oral de português. Concluiu o curso, no Morro Santana, em Porto Alegre, em 1955. Então, prestou exame vestibular para o Curso de Mestria Agrícola Canada, que iniciou em 1956 e concluiu em 1957. Em 1958, prestou vestibular para o Curso Agro técnico da ETA, aprovado matriculou-se no Curso de Técnico em Pecuária. Reprovado em 1958, no ano seguinte, cursou o primeiro ano de Zootecnia. Em 1960, cancelou a matrícula. Finalmente, concluiu o Curso de Técnico em Pecuária em 1962. Após formado, trabalhou na Secretaria da Agricultura como Técnico Rural concursado. Em Uruguaiana, cursou Filosofia, Administração e Agronomia. Modalidade na qual possui especialização, mestrado e doutorado.
Sim, sou eu mesmo: o idiota.Aliás, todos nós somos idiotas.Eventualmente, acidentalmente, por um curto período, por opção pessoal ou coletiva, por birra ou teimosia (estes são os piores), ou por um total desconhecimento do próprio comportamento.