Leia um trecho do livro
Introdução
Era um jardim oval, delimitado por uma cerca viva de um metro e meio de altura.
No centro, havia um espelho d’água, pequeno lago raso, onde flutuavam algumas plantas aquáticas: aguapés, nenúfares e até mesmo uma pequena vitória régia.
Alguns canteiros com flores: rosas, dálias, açucenas e sempre-vivas. Era um lugar aprazível, com bancos de madeira, muitas topiarias e uma pérgola coberta de madressilvas.
Mais um caramanchão com uma reboleira de três marias.
Também havia um pé de maracujá, cujas flores de simetria extraordinária e beleza rara, proporcionavam ao local um ambiente propício ao sossego e a reflexão.
Lugares assim estimulam a criatividade, o raciocínio e o aprendizado. Era um ponto de encontro, onde se reuniam apreciadores da sétima arte, para ouvir um personagem especial denominado de “Ratinho”. Seu nome verdadeiro era Luiz Ronacil.
Os aficionados constituíam um grupo fiel, atento e perseverante que não costumava faltar as reuniões.
Eventualmente, se estivesse muito frio, ou chovendo, procurávamos um lugar alternativo, como uma sala de aula vazia.
Mas havia uma preferência especial pelo jardim onde não apareceria algum intruso, querendo saber o que estávamos fazendo.
Quanto ao narrador, era pequeno, de formas suaves sem ser gordo, calmo, de fala mansa e uma incrível habilidade de contar histórias.
A maioria da turma, de origem pobre, não tinha condições de frequentar um cinema, participar de um baile, ou mesmo visitar alguém na cidade.
A escola era um internato masculino, situada no alto do morro Santana, bairro Agronomia, na periferia de Porto Alegre.
Muitos dos internos vinham de locais distantes, tinham origem humilde, geralmente filhos de pequenos agricultores, que não tinham condições de mantê-los em escolas particulares.
Chegavam por indicação de pessoas que já conheciam a escola e a recomendavam.
O contato de minha família era o Secretário Geral, de alcunha “bambu”; seu nome, Luiz Onofre Gomes da Silva Pimenta.
O educandário consistia de um prédio de dois pisos, em forma de U. No primeiro piso estavam as dependências administrativas, as salas de aulas, o refeitório, a copa, a cozinha, a despensa, o almoxarifado e uma enfermaria.
No piso superior ficavam os alojamentos coletivos, onde dormíamos em beliches de madeira e um salão nobre.
A área total do estabelecimento era muito extensa: abrangia campo de futebol, quadra de basquete, quadra de tênis, oficinas, marcenaria, bosques de eucaliptos, áreas de mato, lavouras, horta, pomar, casas de funcionários, de professores e do diretor, Dr. Ivan Joaquim Barros de Moraes.
Nos fins de semana a distração era descer o morro até a faixa da rodovia que passava em frente, e perambular pelo bairro da agronomia, até a hora de voltar para a escola.
Nos inícios de semana a expectativa era receber os afortunados que podiam ir para a cidade, para ouvir as novidades e as aventuras do fim de semana. Especialmente o Ratinho, era muito esperado. Certamente oriundo de uma família de posses, sempre tinha histórias de passeios, festas ou viagens para contar. Mas a expectativa maior do grupo, era para ouvir o relato do último filme.
Ao entardecer, após as aulas da tarde e o jantar, nos reuníamos no jardim oval, sentados no chão, em semicírculo, ao redor do banco em que ele sentava, e permanecíamos durante horas, extasiados, pela sua capacidade descritiva.
Cinema, palavra de origem grega, significa movimento.
É a arte de produzir imagens em movimento.
Quando são projetadas diversas imagens de forma rápida e sucessiva, produz-se a ilusão do movimento.
O olho humano retém a imagem durante uma fração de segundo, denominada de persistência da visão, tendo assim a sensação psicológica de estar observando o movimento.
Em 1895, ano em que nasceu meu pai, os Irmãos Lumière faziam, em Paris, no Salão Grand Café, uma apresentação pública de seu invento, o cinematógrafo.
Na fase inicial, do cinema mudo, Luzes da Cidade e Tempos Modernos, de Charles Chaplin, são joias raras.
Os Dez Mandamentos (1923), Rei dos Reis (1932), Cleópatra (1934), Alô, Alô, Carnaval, com Carmen Miranda (1936), Cantinflas, no México (1937), O Maravilhoso Mágico de Oz (1939), E O Vento Levou (1939), Cidadão Kane (1941) e Casablanca (1943), eram obras clássicas daquele tempo.
A riqueza de detalhes, além das ações, dos gestos e diálogos, incluía a paisagem, o guarda roupa, a coragem dos homens e a beleza das mulheres, fazia das narrações momentos lúdicos em que esquecíamos de todos os percalços de meninos pobres, vivendo em um internato, longe dos pais que só eram vistos durante as férias.
Sem dúvida nenhuma o Ratinho foi um mestre da narrativa, capaz de encantar pessoas com seus relatos ricos em detalhes e observações pessoais.
O cinema é uma arte poderosa, capaz de influenciar, estimular, induzir e até mesmo de educar pessoas.